Dia desses pensei no abacateiro. Voltei ao quintal, com piso de concreto e uma área verde com vários tipos de plantas. Para a criança que fui, aquele espaço da casa do Barbalho era uma floresta imensa. Às vezes era cenário das aventuras solitárias de uma filha única; outras vezes, um lugar assustador cheio de perigos escondidos por trás das folhagens e terra. O medo era noturno. A luz do dia sempre me trouxe conforto, inclusive nas fantasias infantis.
Não me lembro de nenhuma planta específica do quintal, só do abacateiro. Lembro que era imenso, maior que o prédio vizinho. Engraçado que quando penso nessa árvore, tenho a visão de quando eu era pequena. Morei nessa casa até os 15 anos de idade. Escrevendo agora e insistindo um pouco para lembrar de mais detalhes, me pego pensando que em algum momento ele foi cortado, mas não sei se aconteceu de verdade ou se é apenas fruto da minha imaginação. Isso tem acontecido muito desde que voltei para Salvador. Não sei se as lembranças são reais ou frutos de sonhos, pura ficção.
O abacateiro era a única árvore grande do quintal. As frutas pequenas que caíam dele viravam ingredientes para as gororobas que alimentavam minhas bonecas. Desde cedo os dons culinários fugiam de mim. Hoje acredito, no auge dos meus 37 anos, mulher madura e analisada que me tornei, que eu torturava as bonecas para descontar a maldade que meus pais faziam comigo quando era a “época de abacates”.
A felicidade dos vizinhos que recebiam sacos e sacos das frutas que se multiplicavam a cada dia no quintal era proporcional à minha tristeza por passar semanas ingerindo abacate com leite. Era uma vitamina verde, pastosa e extremamente doce. Acho que até cheguei a gostar no primeiro gole, na primeira vez que experimentei. E só. Enjoei, como a criança enjoada que eu era para comer enjoaria. Claro que isso não não impediu meus pais de enfiarem, diariamente, aquela gosma goela abaixo de uma menininha indefesa que sempre odiou leite, e agora, abacate. “É saudável, vai te fazer bem”, o clichê mais usado por aqueles que cometem a irresponsabilidade de colocar alguém do mundo era usado como justificativa. Sobrevivi, mas a lembrança da vitamina de abacate me causa arrepios até hoje.
E assim sigo, aos 37 anos, tentando resgatar histórias do passado – para além das sessões se terapia, onde as piores vêm a tona – e fugindo da vida saudável que só a gordura boa do abacate pode me proporcionar.
===============================
Tentativa número 1 de escrever para não afundar…
Tentativa número 1 de escrever para não afundar daria um ótimo título para um livro de contos ou de algum de auto-ajuda. Fico feliz em ver você sobrevivendo nessa luta diária “contra” si mesma. Boa sorte, e qualquer coisa é só “gritar”. Estou aqui como leitor na expectativa do próximo texto.
Ah, se eu fosse boa de auto-ajuda… beijinho, querido.