Anarquista

Ele era o meu grande amor. Era meu herói, meu amigo, meu companheiro de aventuras. Ele era meu porto seguro. Tudo ficava melhor quando ele estava por perto e cuidava de mim. E então, quando eu tinha 13 anos, ele me abandonou. Quis viver a vida de um jeito que a responsabilidade de ter uma filha, de montar e sustentar um ambiente seguro, confortável e saudável para criá-la não cabia. Ainda assim, continuei amando profundamente e confiando profundamente no que ele me dizia. Ele era meu confidente; escutava sobre meus amores errados entre lágrimas e soluços e sobre as dificuldades de ser adolescente. Aos 18 precisei dele. E, de novo, fui abandonada. Segui com minha vida. Ele continuou inabalável com sua vida instável. Depois dos 30, de dificuldades, tentativas de autoconhecimento e terapia, comecei a questionar nossa relação. Estourei algumas vezes e desabafei o que sequer sabia que sentia. Apesar de negar, percebo que, um tempo depois, ele tentou compensar. A depressão me fragilizou, me debilitou. E finalmente ele entendeu e aceitou que eu estava doente. E tentou ser presente. Tentou ajudar. Tentou demostrar que eu podia contar com ele. Só que, mais uma vez, a confiança foi quebrada. E, mais uma vez, fui abandonada. Ou talvez eu tenha abandonado a eterna vontade de ter quem cuidasse de mim. Hoje, mais do que nunca, sei que preciso ir fundo nas dores do passado para tentar me curar das feridas que seguem abertas e afetam minha vida adulta, minhas relações, minhas razões. Hoje, mais do que nunca, me sinto sozinha.

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2 comentários em “Anarquista

  1. É sempre bom ter alguém para contar nos momentos mais complicados da vida, principalmente na figura de nossos pais. Mas o seu exemplo deixa claro que infelizmente nem sempre a vida é justa nesse sentido e que no final das contas o nosso principal porto seguro tem que ser nós mesmos. Difícil tarefa para a vida adulta. Mas pelo menos a gente pode contar com os amigos – mesmo os distantes, de vez em quando.

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