Terça foi o último dia em estive na rua. Almocei com uma amiga e voltei para a casa de minha mãe, onde estou hospedada. Amanhã vou no mercado e na farmácia. Além de mim, dois idosos moram no pequeno apartamento de Amaralina. Preciso ter cuidado. Preciso me cuidar.
Achei que seria tranquilo entrar em quarentena. Sou caseira e sempre lidei bem com a solidão (filha única). Além disso, em 2019, afundei na depressão e passei muito tempo dentro de um quarto pequeno, sem vontade de sair da cama.
Desde o fim daquele terrível ano e o início desse novo, uma mudança de medicamentos – que ainda não é definitiva – me trouxe energia. Energia, ânimo e vontade de sair de casa, de ver pessoas, de conversar, de abraçar, de beijar. Achei que seria tranquilo entrar em quarentena. Não tem sido.
Quando comecei a sentir que voltava a ter uma vida, a dar os primeiros passos para construir uma nova história, tudo ficou suspenso no ar, submerso em álcool gel, silenciado por máscaras hospitalares e soterrado no excesso de informação (metáforas cretinas, eu sei). Informação sobre o covid e sobre as milhões de opções para ser produtiva em época de afastamento social.
Pois é: até em tempos de pandemia existe a pressão para ser alguém que lê 20 livros interessantes por dia enquanto assiste 50 seriados e 100 filmes além de fazer yoga, pilates, zumba, exercícios aeróbicos e tocar violão. Também é importante aprender uma língua nova. E estudar todos os textos do semestre para quando as aulas retornarem. Afinal, “temos todo o tempo do mundo”.
Me vejo aqui, sem concentração e apavorada com a possibilidade de regressão; todo dia travo minha batalha particular contra a tristeza profunda. E me sinto culpada pela paralisia. Também me sinto culpada por pensar em minhas tristezas já que lutamos contra uma pandemia, contra a morte, contra a política.
Sigo com medo do que será de nós. Não sou eleitora de Bolsonaro e me vejo pagando o pato. Com mãos limpas. E sem contato.
Se você também sofre com a depressão ou ansiedade ou bipolaridade e quiser conversar, não esqueça: eu tô aqui. Sei que nem sempre é fácil desabafar com quem nunca passou por isso. Temos texto, temos áudio, temos vídeo. Temos tempo.