O tempo das coisas

Hoje fui caminhar na orla pelo segundo dia consecutivo. Não sei se irei amanhã, mas espero que sim. Tenho acordado por volta das 4 e meia; vejo o dia clarear só um pouquinho pela janela e saio de casa sozinha enquanto todos ainda dormem.

Quando a possibilidade de voltar para Salvador se tornou real e eu pensei no que fazer para melhorar da depressão, tomar banho de mar todos os dias, nadar e caminhar no calçadão da praia eram os meus remédios ideais.

Cheguei na cidade no fim de abril; estamos em julho. O segundo banho de mar aconteceu há 4 dias e as caminhadas só agora. Um detalhe importante é que a casa de minha mãe fica a uma distância ridícula da praia. “Eu não tinha desculpa para não ir”.

E é por isso quero falar do tempo das coisas: infelizmente não adianta pressionar quem tem depressão para que a pessoa faça tudo o que é necessário para a melhora. Eu sei o que é necessário há 4 anos. E há 4 anos fui perdendo, aos poucos, o prazer nas pequenas e grandes coisas da minha vida. É o que a doença faz.

Eu sei que é muito difícil para quem convive e ama quem tem depressão compreender que não é questão de não querer melhorar; é não conseguir e ponto.

É não conseguir sair da casa, ir no cinema, ver os amigos, cair no mar, andar no parque… é não conseguir fazer nada que te faz feliz e não saber o porquê.

É não saber responder porque você está tão triste; é não saber explicar porque você está chorando compulsivamente; é não saber dizer porque você não quer mais viver.

Eu já passei muito por isso. Pessoas que gostavam de mim perguntavam o que poderiam fazer para me ajudar e eu não sabia falar. Às vezes eu só pedia um abraço, um carinho e um “eu te amo”.

Se você convive com alguém que tem depressão, pergunte do que essa pessoa precisa. Mesmo que não exista uma resposta objetiva naquele momento, talvez em outro ela se sinta à vontade de pedir ajuda.

O mais importante é não tentar impôr o que você acha que vai ajudar, por mais que a intenção seja boa. Demonstrações de cuidado e respeito são fundamentais para manter as relações (e nem precisa ser com alguém doente, não é mesmo?).

Depressão é uma doença muito, mas muito solitária mesmo. Não só pelo afastamento social, mas exatamente pela incapacidade de explicar a dor.

Às vezes é difícil entender que se não fiz exercícios naquele dia, ou se não escrevi no blog, ou não atravessei a rua para ir ao cinema sozinha, não era porque eu estava acomodada ou até confortável na condição de “deprê que fica o dia todo no sofá”.

Em um determinado momento eu sofri muito ao perceber a frustração (normal, diga-se de passagem) de quem era próximo a mim e esperava que eu me mexesse e superasse, como as pessoas fortes devem fazer.

Não acho que era fraqueza ou falta de coragem. Acho que vivi um tempo de condições complicadas, medicação errada, do corpo falhando, da dor pesando. Foi o tempo das coisas, que às vezes tira, outras vezes dá.

Sabe o que de melhor o tempo em Salvador tem me dado: a possibilidade de sofrer em paz. De viver meu luto sem a pressão de que tenho que superar logo. De não precisar me preocupar e me desesperar em achar trabalho imediatamente. De não precisar me preocupar e me desesperar em dar a volta por cima e mostrar que sou uma mulher independente e foda. De me afundar na merda e escutar que “tudo bem, você precisa disso agora”. Sim, preciso. O processo é longo e lento, mas não é de hoje que estou nele, né? Sigo no meu ritmo, do jeito que posso, do jeito que consigo.

Hoje caminhei durante 1 hora pelo segundo dia consecutivo. Esse é o meu tempo das coisas.

 

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