Nunca fui feminista. Nunca li Simone de Beauvoir. Nunca sequer estudei de verdade sobre a conquista de determinados direitos pelas mulheres ao longo dos séculos em diferentes países. Nunca fui do tipo “sororidade acima de tudo”, muito pelo contrário. Nunca tive o ímpeto de defender certas atitudes femininas acima de tudo e todos – principalmente as motivadas por homens “acima de tudo de todos”.
Desde adolescente comprei brigas, muitas, a favor da legalização do aborto. Isso nunca mudou e acho que, dos meus 12, 13 anos até agora, esse foi o tema mais concreto e explícito pelo qual lutei (do meu jeito) em termos de direitos das mulheres. Acho terrível que de lá para cá eu ainda precise comprar brigas sobre esse assunto que, infelizmente na minha visão pessimista de mundo, está longe de ser resolvido de forma digna no Brasil. Valeu Eduardo Cunha pela contribuição ao retrocesso.
Fato é que a internet abriu e refletiu luz em um buraco fundo com cheiro de esgoto da sociedade brasileira (acho que esse é um movimento mundial mas prefiro me ater ao que vivo diariamente). Através de comentários em matérias e redes sociais as pessoas perderam a vergonha de desejarem o mal aos outros. Agora é público porque elas se reconhecem em vários outros comentários. Sem vergonha. Sem limites.
Pois isso fez com que fôssemos (nós, pessoas que têm o mínimo de consciência, preocupação social e bondade no coração) confrontados com uma triste realidade: o mundo é pior do que pensávamos. E existem tantas lutas que devem ser travadas contra tantos e tantos temas, tantos preconceitos, tantas atrocidades feitas por aí…
No meu ativismo de sofá (e eventualmente fazendo volume em manifestações de rua) tento, pelo menos, divulgar o que acho certo e criticar o que acho errado. Mas nas últimas semanas me peguei pensando sobre o que me dói, conversando e lendo manifestações de amigas queridas sobre as mesmas questões (vejam esse texto de Tati Reuter, do blog Café Extra Forte que resume bem o turbilhão de medos, inseguranças e tristezas que nos assombram diariamente).
Sou minoria. Dentro da minoria ainda sou privilegiada. Sou mulher. Mas sou branca de classe média. Se sendo mulher, branca e de classe média sofro diariamente com as limitações provocadas por ser do sexo feminino em uma sociedade extremamente machista, imagine as mulheres negras e pobres? Nem é preciso imaginar, basta ler o texto de Eliane Brum sobre Sandra para se ter uma ideia e, espero, o mínimo de sensibilidade sobre o que essa mulher passou.
O machismo não é velado. Não é escondido, sussurrado. O machismo é orgulhoso de ser machista. Homens comentando publicamente sobre a sexualização de uma criança de 12 anos é o quê? Homens se masturbando em sua frente em um ponto de ônibus às 9 da manhã é o quê (sim, isso aconteceu comigo em SP)? Homens afirmando que mulheres que usam roupas curtas merecem ser estupradas é o quê? Empresas que desvalorizam o trabalho e o salário de profissionais simplesmente porque são mulheres é o quê? A lista, minha gente, é imensa.
E porque a lista é imensa e me parece que muita gente prefere fingir que não vê, que não sabe, que é maluquice, coisa “desse povo politicamente correto” (sou politicamente correta com todo o orgulho do meu ser) é necessário lutar pelas mulheres; é necessário lutar por mim.
Se ao menos 5 dos meu leitores conseguirem repensar a forma como a imagem das mulheres é passada e “consumida” por aí lendo esse texto, os textos que indiquei e tantos outros disponíveis por aí e, repensando isso conseguirem mudar a forma como nos vêem, nos tratam, e mesmo que não sejam machistas, que consigam sair em nossa defesa quando necessário, me darei por satisfeita.
E isso não serve só para os homens; serve também para as mulheres que usam um tipo de machismo velado para culpar suas “concorrentes” por fracassos, seja em âmbito sentimental, profissional, social. Isso é muito comum, muito mesmo. Eu assumo aqui, com muita vergonha, que já fiz e eventualmente me pego fazendo. Por isso quis tentar usar esse meu cantinho textual para pensar, repensar, falar, analisar e melhorar. Quem sabe coisas boas não nascem daqui?
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