A exposição com obras de Michelangelo Merisi (a.k.a Caravaggio) e seus seguidores, que esteve no MASP entre os meses de agosto e setembro, foi marcada pela grande procura e consequentemente pelas imensas filas que formaram redemoinhos de pessoas no coração da Avenida Paulista.
Lá eu descobri que, além do talento, Caravaggio era um bad boy que se metia em várias confusões mas, como agradava bastante com seus quadros – e às pessoas certas – se safava frequentemente. Dele mesmo eram poucas pinturas. Os outros eram de artistas que usaram o trabalho do moço como inspiração. Gosto de claridade, luz e cores berrantes, portanto, ele está longe de ser meu pintor preferido. Para mim, a observação do que acontecia na fila durante a espera para entrar no museu me pareceu mais interessante de ser descrita.
Me senti no Pelourinho, onde a cada dois passos alguém tenta te empurrar goela abaixo algum produto. A diferença principal: estava parada e não recebia ofertas de representações de baianidade. O que se vendia ali era cultura (aproveitando o contexto do local), saúde e falta de saúde.
Cheguei cedo e não esperei mais que 40 minutos. Nesse tempo, um senhor vendia uma revista com Tulipa Ruiz, a nova queridinha da MPB paulistana na capa, alegando que o dinheiro recebido tiraria crianças pobres da rua. Difícil não ceder.
Poetas independentes, que imprimiam suas palavras em papel ofício ou pagavam do próprio bolso a publicação de pequenos livros para espalhar seus poemas por aí puxavam papo, cantavam e até dançavam na tentativa de cativar os possíveis consumidores de seu trabalho. Atitudes invejáveis, pelo menos para mim, as dos que escrevem e usam toda a cara de pau para botar os trabalhos nas ruas.
Vi uma mocinha vendendo algo que parecia ser uma revista de xadrez, o jogo. Não entendi bem o que era e ela não deve ter me achado com cara de quem se entrega à uma partida, afinal, após alguns segundos de conversa com a rapaz que estava em minha frente, ela deu meia volta à procura de pessoas que fizessem mais o seu “perfil”.
E aí, após o mercado cultural, eis que chega o choque de realidade, negro, enrolado em uma bandeira que me pareceu da jamaica, relatando ter aids e que, ao invés de roubando e matando, estava ali, apenas pedindo. E quem, esperando em uma fila para pagar por um ingresso e observar quadros, poderia se recusar a ajudar alguém que tinha fome? Eu não consegui.
No fim de tudo veio uma insistente senhora, com cara de enfermeira aposentada, oferecer um exame rápido para checar a pressão. Afinal, nada mais apropriado após ser confrontada com a “vida real” e encarar a culpa por viver em um país com tanta desigualdade, ganhando melhor que a maioria da população e gastando esse dinheiro, entre outras coisas, para “consumir” obras de arte de um marginal que morreu há sei lá quantos séculos. Sim, quando a crise existencial chega, melhor mesmo é checar a pressão.